Associação Nacional Mulheres pela Vida
“ Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta?
Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas?” (Is 49, 15)
A juíza que defendeu a vida
Somos solidárias à juíza Joana Ribeiro Zimmer, que está sendo injustamente submetida a um Processo Administrativo Disciplinar por ter tentado impedir um aborto.
Anápolis, 2 de julho de 2023
Ao Ministro Luís Felipe Salomão
Corregedor Nacional de Justiça
Conselho Nacional de Justiça
SAF SUL Quadra 2 Lotes 5/6
70070-600 – Brasília – DF
Assunto: Manifestação de apoio à juíza Joana Ribeiro Zimmer.
Excelentíssimo Senhor Ministro.
Nós, membros da Associação Nacional Mulheres pela Vida, fundada em 7 de setembro de 1998, tendo por fim “a defesa da inviolabilidade da vida humana, desde a concepção até à morte, sobretudo em seu estágio intrauterino” (art. 1º, Estatuto), vimos manifestar nossa solidariedade à juíza Joana Ribeiro Zimmer, em desfavor da qual se instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) na sessão de julgamento da Reclamação Disciplinar 0003770-59.2022.2.00.0000, no dia 20 de junho de 2023, tendo Vossa Excelência como relator. Apesar de o processo correr em segredo de justiça, o vídeo da sessão está integralmente disponível na página do Conselho Nacional de Justiça1.
Inicialmente causa-nos estranheza que o requerimento do advogado da juíza de que a sessão fosse adiada “sob pena de nulidade e cerceamento de defesa”, lido pela presidente Rosa Weber, nem sequer tenha sido analisado. A sessão foi instaurada e prosseguiu mesmo sem a indispensável presença do causídico, que desejaria fazer sustentação oral.
Causa-nos estranheza adicional que o Conselho tenha admitido como válidos dois vídeos criminosamente vazados e expostos na página “The Intercept”, violando o segredo de justiça em que tramitava o processo na comarca de Tijucas (SC). É de se perguntar se o CNJ não se importa com a vedação constitucional da admissão de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, CF).
Causa-nos grande tristeza que, tanto no relatório de Vossa Excelência como nos votos dos demais conselheiros, tenha havido um nítido desvalor pelo nascituro de 22 semanas de vida, rejeitando sistematicamente chamá-lo “criança por nascer” ou “bebê em gestação”, e preferindo o apelativo de “feto”. Estarrece-nos ver que nenhum dos quinze membros do Conselho se importou com a morte daquele ser humano, que foi provocada quando ele já contava com sete meses de vida, perfeitamente apto a sobreviver em ambiente extrauterino. Pasma-nos que a descrição daquele aborto como uma “crueldade imensa”, um “assassinato” – que de fato é – tenha causado repulsa nos conselheiros.
Assombra-nos que a menina de 11 anos, grávida, tenha sido sempre apresentada como vítima de um “estupro de vulnerável” (art. 217-A, CP), omitindo que sua gravidez resultou de uma relação sexual consensual com um adolescente de 13 anos. Nossa Constituição preceitua que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV, CF), razão pela qual uma criança concebida em um verdadeiro estupro – o que não é o caso – não pode pagar com a morte pelo crime de seu pai estuprador. Mas no caso em questão nem sequer houve o estupro, comumente usado como pretexto para justificar o aborto!
Lamentamos que Vossa Excelência tenha censurado a conduta da juíza de tentar “evitar a interrupção da gravidez autorizada (sic!) pelo Código Penal”. Entendemos que o Código Penal não é um código de direitos, mas de crimes. Não cabe a ele autorizar a violação do direito fundamental à vida, solenemente defendido pela nossa Carta Magna (art. 5º, caput; art. 227, CF). O máximo que ele pode fazer é, por razões de política criminal, deixar de aplicar a pena para o aborto após o crime já praticado, mas nunca dar permissão prévia para abortar. É o que se depreende da simples leitura do artigo 128, CP, que começa pelas palavras “não se pune”, sem jamais dizer “é permitido” ou “não é crime”. Conforme o magistério de Ricardo Dip2,
... a leitura do caput do mencionado art. 128 (“Não se pune etc.”) está, para logo, a sugerir que aí se acham causas isentas de apenamento ou, quando muito, excludentes da punibilidade [...]. Está a cuidar-se das chamadas escusas absolutórias, causas que, excluindo a pena, deixam subsistir, contudo, o caráter delitivo do ato a que ela se relaciona”3.
Deploramos que os membros do Conselho tenham agido e falado como se o nascituro fosse mera “expectativa de pessoa” com mera “expectativa de direitos”, ignorando que a adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, que tem status normativo supralegal4, tornou inaplicável a primeira parte do artigo 2º do Código Civil5, declarando solenemente que “todo ser humano” – sem distinção de vida intra ou extrauterina – “tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica” (Cf. art. 1º, n. 2 c/c art. 3º da Convenção). Ora, se o nascituro é pessoa e deve ser reconhecido como tal, não há lugar para o aborto “legal” em nosso ordenamento jurídico.
Lastimamos que o Conselho tenha demonstrado desconhecer a própria psicologia feminina. Parece que os conselheiros ainda não se libertaram da lenda, narrada nos livros de Direito Penal, de que a mera visão da criança concebida em um estupro “perpetuaria a violência sofrida”, causando um dano insuportável para aquela que deu à luz. A realidade é bem outra. Quem já lidou por vários anos com mulheres, adolescentes e crianças grávidas em razão de estupro, sabe muito bem que, após o parto, a visão do bebê é extremamente agradável para a mãe. A criança não abortada passa a ser amada de maneira extraordinária, mais ainda que os outros filhos gerados no matrimônio. Ao contrário, as mulheres que, em tal caso, fazem aborto, não conseguem disfarçar a dor que sentem pela morte do filho. Paradigmático é o caso da jovem Karol, de São José da Costa Rica, vítima de estupro, que, arrependida pelo aborto praticado, terminou por suicidar-se6.
Louvamos a atitude da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que tentou convencer a menina e sua mãe a desistirem de fazer o que a lei proíbe: matar uma pessoa por nascer. A conversa, ilegalmente vazada e tornada pública, deveria ser objeto de louvor pelo Conselho Nacional de Justiça. Não são todos os magistrados que demonstram tanta ternura e amabilidade no trato com uma criança, valorizando a sua precoce maternidade e a vida intrauterina já tão adiantada.
Conclusão
O preconceito é o maior inimigo da justiça. Ninguém pode ser antecipadamente condenado em razão de ser negro (preconceito de cor) ou de ser mulher (preconceito de sexo). Mas o que nós, mulheres, estamos presenciando é um preconceito gigantesco contra o nascituro. O nascituro difere de uma criança nascida pela sua idade, pelo seu tamanho e pelo lugar que ocupa. A idade e o tamanho, porém, não são determinantes. Há bebês, nascidos prematuramente, que têm um tempo de vida e um tamanho menores que outros que ainda não nasceram. A diferença essencial entre o nascido e o nascituro é tão somente o lugar: dentro ou fora do útero. Dentro do útero, ao que parece, tudo é permitido, inclusive injetar uma solução de cloreto de potássio no coração para fazer a criança morrer e depois extrair seu cadáver7.
Entendemos que não é possível eliminar todo preconceito deste mundo. Mas é assustador verificar que o próprio Conselho Nacional de Justiça, que deveria ser o exemplo na luta contra os preconceitos, se deixe mover pelo “preconceito de lugar” na hora de julgar as causas que envolvem a pessoa em gestação.
Pedimos e esperamos que Vossa Excelência, com a humildade própria dos grandes homens, reveja o próprio parecer e vote pela absolvição da juíza que tanto honrou a magistratura brasileira.
Rosilene Gomes de Almeida Machado
Presidente
Lorena Janaína Almeida de Abreu
Vice-presidente
2 Atualmente desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
3 Ricardo Henry Marques DIP. Uma questão biojurídica atual: a autorização judicial de aborto eugenésico: alvará para matar. Revista dos Tribunais, dez. 1996. p. 531-532.
4 Recurso Extraordinário 349703/RS, publicado em 05/06/2009.
5 “A personalidade civil da pessoa começa do seu nascimento com vida” (art. 2º, CC, parte inicial).
6 http://salvarel1.blogspot.com/2016/04/se-lo-horrible-que-es-la-violacion-pero.html
7 Provavelmente este foi o procedimento da equipe médica do Hospital Universitário da UFSC.